Diversos fatos, que funcionam como prólogos de uma prosa triste, marcam a década de 2000 na história da PUC-SP. O clímax dessa prosa fica por conta da invasão da universidade em 2007, repetindo um chocante acontecimento de 30 anos antes: a entrada de tropas militares a mando do coronel Erasmo Dias, então secretário de segurança pública do estado de São Paulo nos idos dos anos 1970, com o país sob ditadura militar. Se então tal fato sofreu resistência dos dirigentes da PUC-SP, em 2007 a invasão foi patrocinada pela administração. Não teria como ser de outra maneira – afinal, fora a reitoria que pedira a ‘reintegração de posse’ da reitoria, ocupada por estudantes. “Eu lembro de alguns vice-reitores passando por trás do cordão [de policiais em torno da reitoria] e rindo”, conta o então estudante Pedro Nogueira sobre os momentos que sucederam a saída dos alunos da reitoria. Mas o que levou à ocupação da reitoria?
Externamente à PUC-SP, uma análise do contexto com relação às universidades brasileiras remonta aos anos 1990, quando toma força a ideologia neoliberal no país, aprofundada especialmente no primeiro mandato do presidente Fenando Henrique Cardoso (1995 a 1998). Ali, mudanças na economia buscavam consolidar a economia com o Plano Real, lançado em 1994. Concomitante à privatização de diversos serviços públicos, como a telefonia e a mineração, a presença do setor privado também foi elevada com o estímulo à abertura de novas empresas. Na educação, o plano se materializou com o aumento na quantidade de vagas de ensino superior no setor privado, que já crescia em relação ao ensino público desde a década de 1960 com os acordos MEC-Usaid. O discurso era o da eficiência, que, se no governo se traduzia por privatizações, no setor privado aprofundou a terceirização.
Esse contexto atinge em cheio a PUC-SP, com problemas financeiros já desde fins da década de 1960, quando a universidade vê, cada vez mais, as verbas públicas que a financiavam se reduzirem à medida que aumentava a oposição interna e da Igreja em São Paulo ao governo militar. Inflação, anos de má gestão, as pressões por aumento de salários e por redução de mensalidades e a acolhida da universidade aos estudantes que não podiam pagar para estudar são alguns dos elementos que contribuíram para o agravamento da crise.
Nos anos 2000, a terceirização alcançou a PUC-SP em dois momentos: em 2001, com a contratação de uma empresa para gerir a limpeza da universidade, e em 2004, com a substituição dos seguranças comunitários pela Graber, de segurança patrimonial. Nestes marcos, a terceirização é aprofundada para além daquilo que já existia desde o início da década de 1990, quando parte dos funcionários destes setores já eram terceirizados.
Além da precarização das relações de trabalho resultantes da terceirização (já foi extensivamente demonstrado ser este o expediente que leva e possibilita a escravidão contemporânea no Brasil), na PUC-SP a medida reduz custos para a instituição ao não submetê-los ao estatuto da universidade, que determina que todo servidor e seus dependentes tem direito a bolsas de estudo da instituição. Com o tempo, outros funcionários menos visíveis também foram perdendo esse direito através da demissão destes e subsequente contratação como “prestador de serviços” via Pessoa Jurídica (a chama “pejotização”).
Entre 2005 e 2006, as demissões em massa foram outra maneira de reduzir custos. No período, um terço de todos os professores e funcionários da instituição recebeu telegramas em suas casas informando que já não faziam mais parte da universidade. A PUC-SP parou, em greve: “Foi uma greve meio que imposta porque a minha turma, por exemplo, não tinha professores para três dias de aulas na semana”, explica Rodrigo Souza, aluno entre 2002 e 2008.
As bolsas ofertadas diretamente pela universidade praticamente cessaram, mesmo as de quem já estava matriculado. Era o caso de diversos colegas de Mirian Chakkour Nunes, que perderam a gratuidade no penúltimo ano e não puderam se formar porque não poderiam pagar a PUC-SP por um ano inteiro. Inadimplentes, por outro lado, deixaram de conseguir a rematrícula para o semestre seguinte a não ser que quitassem suas dívidas, o que raramente acontecia, já que a negociação dessas deixou de ser flexível como outrora. A reitoria também passou a proibir que assistissem aulas aqueles que não estavam matriculados.
Além de medidas de impacto financeiro, o convívio universitário foi perdendo espaço com medidas que fizeram serem necessárias autorizações para festas, panfletagens, entrada de instrumentos musicais e outras intervenções.
A rigor, as mudanças diretas provocadas pelo redesenho diziam mais respeito ao aumento de cargos da reitoria e o consequente espelhamento disso nos conselhos deliberativos. Diluiu-se as funções dos vice-reitores acadêmico, administrativo e comunitário em cinco pró-reitorias e criou-se a função do vice-reitor, concentrando hierarquicamente as decisões na figura do reitor. Este aumento de cargos fez crescer também a presença da reitoria em todos os conselhos – em especial no Consun, onde a reitoria passaria a ter o mesmo peso de voto dos três setores (ver mais aqui).
Mas estas mudanças facilitaram a institucionalização daquele projeto de universidade que estava em disputa à época. Foi aprovada a chamada “maximização dos contratos” dos docentes (medida que exigiu que professores tivessem que dar mais aulas para receber os mesmos salários de antes) ou o fim de planos de carreira aos funcionários. Também se aprovou, em seguida, a intervenção de fato da Igreja na PUC-SP através da criação do Conselho Superior de Admistração (Consad). Responsável por decisões de cunho financeiro, votam nele o reitor e dois representantes da Fundação São Paulo – braço da Igreja Católica como pessoa jurídica mantenedora da PUC-SP –, em oposição ao Conselho Universitário (Consun), até então a instância máxima de deliberação composta pela reitoria, professores, funcionários e estudantes.
Se a crise financeira da PUC-SP era um indiscutível fato, a solução para ela foi alvo de intensos questionamentos, bem como as medidas que a acompanharam – às vezes para que se pudesse impor propostas rechaçadas por amplos setores da universidade – e alteraram de maneira profunda a relação da comunidade com seu espaço, como mostram os estudantes entrevistados no vídeo ao lado.