O primeiro período é definido entre a fundação da PUC-SP, em 1946, e a implementação de uma reforma acadêmica nesta universidade, em 1971.
A fundação ocorreu através da junção inicial da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, criada em 1908, e com a criação da Faculdade Paulista de Direito, oficializada no mesmo 22 de agosto da fundação da PUC-SP. Como explica José Nagamine – professor e principal responsável pela elaboração do projeto do Ciclo Básico da PUC-SP – a Nádia Silveira (1996, p. 344), “a Igreja começa a formar uma rede de escolas de todos os níveis, para formar as elites. Se as elites é que iriam governar, a Igreja teria que convertê-las porque assim se teria um governo católico, cristão, e assim se multiplicaria sua filosofia. [...] A Universidade Católica de São Paulo nasce nesse contexto”.
Em sua pesquisa, Nádia verificou uma diferença já na idealização da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com relação a outras instituições de ensino da Igreja: havia um interesse da Arquidiocese de São Paulo de que “a universidade daqui tivesse essa característica aberta, de não dizer que foi feita por um grupo dentro da Igreja”, como disse um de seus entrevistados (p. 293), Amador Cintra do Prado.
A preocupação é atribuída a D. José Gaspar, arcebispo de São Paulo entre 1939 e 1943, que, de acordo com esse mesmo entrevistado, achava que a PUC de São Paulo deveria ser diferente da do Rio de Janeiro, organizada pelos jesuítas: “ele achava que deveria ser uma universidade aberta a várias ordens religiosas”, conta Amador. A PUC-SP foi, então, construída em conjunto pela Igreja Católica e por membros da Ação Católica, um movimento vinculado à Igreja formado por leigos interessados em colaborar com a missão da instituição.
Ainda segundo a pesquisa de Nádia, os professores da PUC-SP naqueles primeiros anos tinham que “assinar um compromisso, [declarando] que no exercício de sua função respeitariam a doutrina da Igreja, mesmo que não fossem religiosos” (p. 351), diz Oswaldo Leite de Moraes. Plínio Corrêa, outro professor de então, convidado a assumir uma cátedra logo depois de encerrado seu mandato como deputado, relata ter recebido a orientação “de que os temas polêmicos, concretos, em que você toma parte como homem público, você não mencione como professor” (p. 359).
Neste primeiro período, a PUC-SP cresceu basicamente através da união com outras escolas já existentes. Para isso, usava-se duas figuras jurídicas: a das faculdades integradas – das quais faziam parte as duas escolas que fundaram a PUC-SP e, a partir de 1964, também a Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais “Coração de Jesus” – e a das nove escolas ou faculdades tidas como “agregadas”.
Só as integradas, de acordo com José Nagamine, “realmente constituíam a PUC-SP, pois estavam sob a mesma administração acadêmica e patrimonial” (1997, p. 52), o que não acontecia com as agregadas. De forma mais direta, na definição de Madre Cristina (uma das principais educadoras da então faculdade agregada Sedes Sapientiae), “o nome PUC foi um título pomposo dado a uma série de faculdades agregadas que não perderam sua individualidade, nem mudaram suas perspectivas. Portanto, não houve uma revisão dos princípios ideológicos destas faculdades, nem programas” (PORANDUBAS, nº 80, p. 5).
Este punhado de faculdades e escolas, de acordo com diversas fontes que estudaram o período, dedicava-se pouco à pesquisa e extensão – os elementos que, em conjunto com o ensino, são entendidos hoje como os alicerces de uma universidade, em compreensão consagrada pelo artigo 207 da Constituição de 1988, mas já assinalada pelo Decreto-Lei nº 53/1966. Mesmo a história oficial da PUC-SP enxerga desta maneira: “Até a reforma universitária de 1970, como ocorre em quase todas as universidades brasileiras e principalmente nas parti/culares, a PUC-SP era ainda uma instituição voltada quase que exclusivamente para o ensino” (PAIPUC, 1997, p. 7).
Fora do plano institucional, a primeira grande intervenção política dentro da universidade ocorreu em 1964. Como contou ao Porandubas – jornal comunitário puquiano mantido entre 1977 e 91 –, Osvaldo Aranha Bandeira de Melo foi empossado reitor naquele ano devido à pressão estudantil: “Os estudantes queriam realmente um reitor leigo porque os bispos não tinham tempo para exercer a reitoria: se Dom Motta concordasse, eles sairiam em paz” (PORANDUBAS, nº 80, p. 5). E sair significava desocupar a PUC-SP – que tinha o seu campus de Perdizes tomado, de acordo com Osvaldo, por causa de uma greve contra o iminente despejo da escola de Serviço Social masculina. Educadamente, Osvaldo explica ao jornal a medida que tiraria os alunos do curso daquele campus como uma “desinteligência” entre o Monsenhor Victor Ribeiro Nickelsburg, então vice-reitor da universidade, e o diretor da escola.
Mas esta medida, de dar posse ao primeiro reitor leigo da história da PUC-SP, jamais teria sido tão significativa se, meses antes, em junho de 1963, o Conselho Universitário não tivesse apresentado ao Conselho Superior da Fundação São Paulo (e, este, aprovado) uma reforma regimental que “deu plenos poderes ao reitor e diretor executivo da Fundação São Paulo, o Bispo Dom Antonio Alves Siqueira, no tocante à administração econômico-financeira da instituição. Esta decisão era uma clara demonstração de que a Cúria passava a administração da universidade a ela própria, dando autonomia à gestão da reitoria” (AVELINO, 2001, p. 227).
Externamente, no final deste primeiro período, foram tensionadas as forças sobre as universidades. Sobre a PUC-SP, as pressões vinham de maneira contraditória.
Da parte do governo pós-golpe de 1964, a ingerência se dava através de uma legislação autoritária, nomeadamente através da Lei Suplicy (1964) e dos Decretos-Lei 464 e 477 (1969). Em essência para o que nos interessa, a Lei Suplicy colocou a União Nacional dos Estudantes (UNE) na ilegalidade e tentou acabar com os Centros Acadêmicos universitários, substituindo-os por estruturas de representação vinculadas e subordinadas aos diretores de cada faculdade – são os chamados Diretórios Acadêmicos, ainda existentes pelo nome em alguns cursos pelo país. Já o Decreto 464 definia os reitores e diretores como responsáveis pela disciplina de seus professores e alunos, o que atribuía a este mandatários também a obrigação de impor o respeito ao Ato Institucional nº 5 (1968). O Decreto 477 esclarecia este ponto, definindo os tipos de infrações disciplinares (dentre elas, a greve) e suas punições, como afastamentos da universidade (NAGAMINE, 1997, pp. 32-40).
Da Igreja Católica, por outro lado, alguns esforços se colocavam no sentido de garantir a autonomia universitária. Em 1967, pouco depois do Concílio Vaticano II, o Departamento de Educação do Conselho Episcopal Latino Americano (Celam) realizou em Buga, na Colômbia, um seminário que produziu um texto sobre a Missão da Universidade Católica na América Latina. O trabalho, conhecido como “Documento de Buga”, defendia explicitamente a autonomia e a democracia na universidade. Sobre o primeiro ponto, declarava que “a autonomia universitária é requisito indispensável para a livre investigação e expressão e de pensamento. [...] Esta autonomia, especialmente no aspecto acadêmico, deverá ser também mantida nas relações da Universidade com a Hierarquia eclesiástica”. Já a democracia estava posta ao apontar a necessidade de se “rever a estrutura de poder, promovendo em todos os níveis a participação dos professores e alunos no governo da instituição e na eleição de suas autoridades. Tal revisão deverá tender à descentralização de poder. Reconheça-se, também, o legítimo direito aos sistemas organizativos e aos de representação dos membros integrantes da comunidade universitária” (NAGAMINE, 2006, p. 5).
Quando a reitoria solicitou a elaboração dos “Estudos Básicos para a Reestruturação da PUC-SP”, apresentados à comunidade em 1967, José Nagamine, o relator, orientou-se em grande parte pelo Documento de Buga, que teve trechos transcritos nos estudos: “Para aquele momento político brasileiro, o que não podíamos criticar, ou aquilo para o qual não tínhamos ainda melhor conceituação, o fazíamos por meio dessa transcrição” (1997, p. 72).
Colocada no limiar entre as restrições legais do regime político e as possibilidades de avanço democrático dentro de uma universidade, a PUC-SP discutiu e criou, em um espaço de cinco anos, os primeiros programas de pós-graduação do país e o Ciclo Básico – um conjunto de disciplinas comuns aos cursos de graduação da universidade em seus dois primeiros semestres exigido pelo regime militar através do Decreto 464, mas substancialmente modificado dentro de um pensamento orientado a garantir interdisciplinaridade e integração entre os níveis de ensino, ao mesmo tempo em que faria o aluno aprender a “ser dentro da universidade” (NAGAMINE, 1997, pp. 102).
Olhando retrospectivamente, a professora e então presidenta da associação dos professores Madalena Guasco Peixoto, resumiu assim o funcionamento do Ciclo Básico: “Havia uma estrutura democrática, as decisões eram tomadas em equipe, cada equipe tinha sua coordenação. Depois, aconteciam as assembleias gerais de todos os professores de todas as equipes. A proposta de avaliação do Ciclo Básico também era nova, democrática, porque era feita de forma interdisciplinar. Cinco professores eram responsáveis por uma classe. Havia o incentivo à participação na vida da universidade” (REVISTA PUCVIVA, 1996, p. 38).
A proposta do Ciclo Básico foi sentida por alunos. Em depoimento para a tese de doutorado de Helenice Ciampi, uma estudante que ingressou no curso de Ciências Sociais em 1972 e, em 1977, em História, conta que as aulas do Básico “eram organizadas privilegiando a discussão. Normalmente, os trabalhos eram realizados em grupo e, posteriormente, discutidos com a classe. Quase não havia aulas expositivas”. Conceição Cabrini, a estudante, disse ainda considerar que o Básico “desempenhava um papel de resgatar uma formação crítica e de cidadãos, que os anos de ditadura haviam sonegado à sociedade. [...] As disciplinas buscavam despertar no aluno uma visão da realidade presente. Assim, os temas discutidos eram contemporâneos”. A reforma universitária de 1971 consolidou estas mudanças e acabou com a figura das faculdades agregadas. Das nove mantidas desta maneira, só quatro foram incorporadas à PUC-SP. As demais se desvincularam definitivamente.
Foto de capa: Prédio da PUC-SP, do atual campus de Perdizes, no início do século XX