O período sobre o qual menos se refletiu a história da universidade consolida as mudanças de projeto iniciadas com o fim do Ciclo Básico, aprofunda a crise financeira e coloca a PUC-SP em sintonia, também, com alguns pressupostos tidos como necessários pela concepção econômica hegemônica nestes anos. A reitoria do período estava sob a liderança da professora Leila Barbara, única candidata para a gestão de 1988 a 92.
Já em 1991, a Igreja passou a intervir diretamente nas finanças das universidade. Vicente Benzinelli é nomeado secretário-executivo da Fundação São Paulo com, na visão da Associação dos Professores da PUC (Apropuc), o plano de “enfrentar a crise financeira implantando um modelo de universidade onde menos cursos (aqueles que apresentassem mais procura e os dotados de excelência acadêmica) compusessem o rol de opções da PUC”. Para isso, o plano seria “desvincular a área administrativa e financeira dos centros de decisão acadêmica e comunitária da universidade, fazer com que a Fundação São Paulo tivesse assento permanente no Consun” e promover mudanças nos contratos dos professores (REVISTA PUCVIVA, 1996, p. 38).
Até então, o cargo, que faz a interlocução direta entre a mantenedora e a universidade, era ocupado desde meados dos anos 1960 por um dirigente da reitoria – em geral, o próprio reitor. E assim voltou a ser ao final de 1992, depois de uma greve de mais de dois meses, iniciada em setembro daquele ano por funcionários e professores que reivindicavam reajustes salariais e pagamentos de salários atrasados. Tais interesses esbarravam diretamente nas propostas da Fundação São Paulo, fazendo a saída de Benzinelli também ser uma das pautas conquistadas pelo movimento.
Concomitantemente a este processo, o país vivia um congelamento de preços intercalados por períodos de alta inflação. Com o Plano Collor, que vigorou de 1990 a 92, “a situação de desequilíbrio financeiro foi agravada com o congelamento das mensalidades escolares e a manutenção do reajuste aplicado aos salários”, conforme analisado posteriormente pela universidade (PUC-SP, 2006, p. 2). Foi quando a PUC-SP passou a recorrer a empréstimos bancários para manter as atividades apresentando, ainda assim, “constantes déficits operacionais”.
O fim da intervenção da Igreja também coincidiu com a posse da nova reitoria, com o professor Joel Martins à frente. No ano seguinte, Joel – um dos principais responsáveis pela criação de programas de pós-graduação do país – falece. Em seu lugar assume o Prof. Antonio Carlos Caruso Ronca, permanecendo à frente da universidade até 2004. Para este feito, o Prof. Ron/ca conseguiu ser candidato único nas eleições de 1996 e 2000 para reitor depois de fechar acordos entre distintos setores.
Nesta gestão, a universidade começa, ainda que timidamente, a terceirizar alguns serviços anteriormente prestados por funcionários próprios – nomeadamente, de segurança, limpeza e contabilidade. No campus de Perdizes, no período, esses serviços prestados por terceiros são mantidos concomitantemente ao de funcionários próprios desempenhando as mesmas funções. A precarização das relações de trabalho, inerente à terceirização (já foi extensivamente demonstrado ser este o expediente que leva e possibilita a escravidão contemporânea no Brasil), chegou a um caso extremo em 1993, conforme relatado à época pelo PUCViva: um trabalhador terceirizado do setor da limpeza de 19 anos – a mesma idade de muitos dos calouros da universidade – teve que ir para o ambulatório depois de desmaiar ao pegar na vassoura. O quadro relatado trazia como causas a “desnutrição e miséria” daquele funcionário, que recebia cerca de um salário mínimo da época (ou em torno de R$380, em valores atualizados pelo IPCA) (PUCVIVA, 1993, nº 20).
Vale notar que na PUC-SP a precarização resultante da terceirização se dá de maneira ainda mais acentuada. Os funcionários terceirizados deixam de ter acesso, por exemplo, a bolsas de estudo garantidas através de acordos coletivos internos a seus pares contratados diretos da universidade.
Outra mudança importante é que, no período, diferentemente dos momentos anteriores, empresas privadas passam a fazer diversos acordos com a universidade, em geral orientados a fornecer à PUC-SP atualizações tecnológicas em troca de divulgação de suas marcas e outras garantias.
Em 1995, por exemplo, a NET montou um show-room no teatro da universidade (TUCA) para adquirir novas assinaturas de TV a cabo com descontos à comunidade puquiana (PUCVIVA, 1995, nº 87). A empresa instalara, no ano anterior, o cabeamento que permitiu a transmissão do sinal da TV PUC (depois transformada em Rede PUC) por monitores do campus Perdizes. Já em 97, a Siemens/Equitel fez a troca do sistema de telefonia da universidade em troca de cursos de extensão e treinamento aos funcionários da empresa (PUCVIVA, 1997, nº 194).
A relação com empresas privadas se faz ainda mais visível na importância que, gradativamente e a exemplo de outras instituições de ensino não-públicas, a PUC-SP passa a dar à colocação de seus alunos no mercado de trabalho. Desde 2002, por exemplo, a universidade organiza uma “semana de recrutamento” na qual os espaços de seus campi são cedidos a corporações que montam tendas para oferecer vagas de estágio e trainee aos estudantes puquianos.
Quando se aproxima o ano de 1998, em que Dom Paulo Evaristo Arns se “aposentaria” da liderança na Arquidiocese de São Paulo pelo limite de idade para o posto que alcançara dois anos antes, o Consun se articula para promover mudanças no estatuto. O PUCViva sintetizou assim as ambições do conselho: “No próximo ano haverá mudanças na direção da Arquidiocese de São Paulo e não se sabe qual será a nova orientação da Igreja Católica para a PUC, tornando-se fundamental garantir desde já algumas conquistas da comunidade puquiana” (PUCVIVA, 1995, nº 114).
Pela proposta enviada para chancela da Igreja, nenhuma indicação aos cargos da universidade teria mais que passar pelo grão-chanceler da PUC-SP e todos os cargos eletivos seriam imediatamente referendados pelos resultados das urnas. Quatro meses depois, a Igreja devolveu à comunidade suas decisões: uma lista com os três candidatos mais votados na eleição para reitor deveria continuar sendo enviada ao arcebispo para chancela. Os cargos inferiores também deveriam gerar listas tríplices, mas a nomeação se daria somente pela reitoria. Estava impedida, entretanto, intervenção da Igreja nestas nomeações (PUCVIVA, 1996, nº 128).
Ainda neste início de século, a PUC-SP abre novos campi. São dois só em 2003: o de Barueri (fruto de uma parceria com a prefeitura do município) e o de Santana. A abertura dos cursos prioriza os que têm alta procura, que também têm suas vagas ampliadas no campus Perdizes.
No mesmo ano, um aumento concedido aos salários de professores e funcionários não repassado às mensalidades é visto pela gestão posterior como o motivo de agravamento do desequilíbrio financeiro, “gerando sucessivos atrasos e parcelamentos no pagamento dos salários de funcionários e especialmente de docentes”. Ainda em setembro de 2003, a universidade declarava ter uma dívida de R$17,2 milhões (FOLHA, 28/09/2003, p. C2). O valor triplicaria ao final do ano seguinte, alcançando os R$54 milhões em contratos com vencimento “de curtíssimo prazo” (PUC-SP, 2006, p. 3).
Apesar da caótica situação financeira, um estudo de 2002 orientado por Ana Salles Mariano, então assessora da vice-reitoria comunitária, apontava que a PUC-SP ainda seguia uma política de “nenhum aluno fora da PUC por falta de recursos materiais”. O texto indica que 29% dos alunos eram bolsistas. Parte destes seguia um modelo de “bolsa restituível”, em que o aluno recebia descontos parciais ou integrais da mensalidade com o compromisso de pagar os valores descontados ao final do curso. Mesmo com os riscos concretos de não pagamento, dos alunos, pelos descontos concedidos, a universidade mantinha o programa com a preocupação de não impedir o acesso ao ensino e à pesquisa por motivos financeiros (PETERSON, 2002, p. 89).
No período, em especial a partir de 1994, não foram muitas as ocasiões em que a universidade atrasou o pagamento de salários. A maior dificuldade, entretanto, permaneceu no pagamento do abono de férias e do 13º salário. Em 2001, por exemplo, a reitoria anunciava a obtenção de um empréstimo bancário para pagar as duas parcelas do 13º salário sem atrasos (PUCVIVA, 2001, nº 378).
Uma marca da longa gestão Ronca é que, não raro, os alunos sentavam à mesa para negociar os aumentos anuais de mensalidade. Ainda que se possa discutir o caráter destas conversas e a fecundidade das negociações, há que se ressaltar a singularidade deste gesto em relação às demais gestões da PUC-SP e universidades do Brasil.
Também naqueles últimos anos deste período a reitoria passou a tentar regular as festas que ocorriam no campus de Perdizes. O assunto já despertava atritos desde a metade dos anos 1990, provavelmente impulsionado pelo aumento na quantidade de prédios residenciais no entorno. Nos últimos anos da gestão Ronca, passou-se a tentar exigir dos estudantes um aviso prévio com as datas das festas e, por algum tempo, elas só eram autorizadas no Pátio da Cruz. Em determinados momentos, chegaram mesmo a ser proibidas formalmente.
Sob o pretexto da preocupação com segurança e com os recorrentes furtos no campus, a reitoria também começou a instalar câmeras nos campi. Os primeiros movimentos para isso começaram no final dos anos 1990, mas aparelhos ocultos foram instalados nos anos seguintes. Em 2003, um estudante denunciava ter encontrado uma destas câmeras dentro de um centro acadêmico: “Utilizando uma chave de fenda, abrimos a caixinha e lá estava ela, a câmera, minúscula e oculta. [...] Em instantes dois ‘men in black’ subiram a prainha em passos apertados e caras feias, chegaram e levaram a câmera. Sem dizer nada, sumiram num piscar de olhos ignorando os protestos daqueles que presenciaram tudo”. Outros centros acadêmicos já haviam encontrado equipamentos semelhantes em suas dependências.
Na mesma época, em 2002, a reitoria instalou cercas de arame farpado no entorno do campus e nova iluminação para a calçada. Num ato do reitor, a direção tentava também proibir o acesso e permanência de pessoas “estranhas” à PUC-SP através de funcionários indicados pela instituição para solicitar o documento de identificação de quem estivesse circulando pela universidade. A medida, no entanto, era “emergencial” e poderia ser revogada “se a comunidade” assim decidisse (PUCVIVA, 2002, nº 416).
Foto de capa: Mobilização de funcionários em 2003 por aumento salarial