2004-Atualmente

Quando Maura Pardini Bicudo Véras assume a reitoria, em dezembro de 2004, depois de disputar um pleito que contou com outras duas chapas, a dívida da universidade torna-se o principal assunto e adquire uma dimensão de importância que jamais havia sido alcançada. A reitoria declarava ter um déficit mensal de “cerca de R$ 4 milhões, que persistiu até o final de 2005” (PUC-SP, 2006, p. 3). A dívida da universidade com as instituições financeiras saltara de R$ 17,2 milhões em 2003 para R$ 54 milhões em 2004, alcançando os R$ 100 milhões em 2005.

A saída encontrada para mais esta crise começou com redução de custos no primeiro ano da gestão de Maura Véras nas despesas de consumo – nomeadamente com água, energia elétrica e telefonia – e “revisão” dos contratos com prestadores de serviço das áreas de limpeza e segurança, além de aumento no número de vaga de alta procura (PUC-SP, 2006, p. 3).

Algumas destas medidas já vinham sendo ensaiadas desde o final da gestão Ronca, que havia, por exemplo, cortado as chamadas externas das linhas telefônicas dos Centros Acadêmicos em 2002. O passo resultou numa economia que poderia ser usada para adquirir “10 computadores por mês”, como informou a reitoria à época (PUCVIVA, 2002, nº 384). Com limites, as chamadas foram reestabelecidas após acordo com a direção. Mesmo assim, a gestão seguinte anunciava que estes gastos ultrapassaram, em 2005, os R$ 128 mil só nos oito primeiros meses do ano (PUCVIVA, 2005, nº 547).

Na chamada “reforma administrativa”, 91 funcionários foram demitidos naquele ano, enquanto a reitoria iniciava um Plano de Demissão Voluntária que alcançaria funcionários e professores. Paralelamente às demissões, novos empregados eram contratados para ocupar as mesmas funções dos dispensados com salários até 50% menores (PUCVIVA, 2005, nº 549) ou tinham suas funções terceirizadas por completo – caso dos setores de limpeza e segurança.

Para os professores, era desenhada uma proposta que buscava “maximizar” os contratos. Desta maneira, em caráter inicialmente provisório com validade apenas para o ano seguinte, os docentes passariam a ter que dar mais aulas para manter os seus salários nos patamares anteriores sob o risco de verem seus contratos reduzidos a patamares mais baixos. A previsão da reitoria era economizar até R$ 3 milhões por mês (PUCVIVA, 2005, nº 555).

Ao mesmo tempo, os valores revertidos a projetos assistenciais e bolsas de estudo foram reduzidos a valores próximos do mínimo necessário (de 20% da receita) para a manutenção legal da PUC-SP como entidade filantrópica.

Ainda naquele ano, toda a dívida da universidade, até então diluída em diversas instituições financeiras, é renegociada. Só dois bancos passam a ser os credores, o que permite um alongamento da dívida e redução dos juros. Para a autonomia da universidade, é um baque: “os bancos estão olhando nossas contas, interagindo fortemente com a reitoria e com a Fundação São Paulo. A cada três meses, entregamos um balancete para os bancos, que podem acompanhar nossa evolução financeira”, disse à Folha de S. Paulo o então vice-reitor administrativo (FOLHA, 08/11/2005, p. C1). Como parte do acordo, uma das condições para a renegociação da dívida é, até mesmo, a permissão de abertura de uma agência de cada um dos bancos dentro do maior dos campi da universidade – o de Perdizes (PUCVIVA, 2005, nº 549).

A virada para o ano seguinte marca o início de demissões em massa de professores. Em poucas semanas, telegramas chegam nas casas de 322 deles, além de outros 114 funcionários, colocando na rua um terço de todos os empregados da universidade (FOLHA, 18/02/2006, p. C6). O início do semestre letivo tem de ser adiado por alguns dias pela falta de professores para diversas disciplinas. Os critérios para escolha dos professores demitidos nunca foi divulgado com clareza. As demissões não são aceitas pelo – até então – órgão máximo de deliberação da universidade, o Consun, que determina a revogação de todas as dispensas (PUCVIVA, 2006, nº 565). O resultado da votação não foi acatado pela reitoria ou pela Igreja.

Toda a argumentação daquela gestão para qualquer medida que traria polêmica girava em torno da necessidade de realização destas sob o risco de intervenção da Igreja sobre a universidade. Mesmo assim, a reitora deixa, pela primeira vez desde 1992, de acumular o cargo com a secretaria executiva da Fundação São Paulo. O cargo passa a ser exercido, a partir de novembro de 2005, pelo padre José Rodolpho Perazzolo. Uma reformulação posterior, de fevereiro de 2006, faz José dividir a função com o padre João Julio Farias Junior.

O franciscano dom Cláudio Hummes (então arcebispo de São Paulo no posto desde 1998, sucedendo o também franciscano dom Paulo Evaristo Arns) explicou, em reunião com a Apropuc, que a reitoria teve entre maio de 2005 e fevereiro de 2006 para resolver os problemas financeiros da universidade e não o fez. Diante disso, explica o relato da reunião, teve que intervir: “se eu entrei na universidade, foi porque a reitoria me empurrou para dentro”.

O processo foi rechaçado publicamente em artigo assinado por todos os quatro reitores eleitos democraticamente antes de Maura. Eles denunciaram que “a fundação chamou a si a tarefa de determinar os cortes, desconsiderando o Estatuto da Universidade, e executou um processo de demissões utilizando critérios não-acadêmicos e pouco transparentes, além de se orientar por uma lógica apenas econômico-financeira”. Apesar de reconhecerem erros de suas gestões, motivadas por “concessões enganosas e corporativismos, tanto das entidades sindicais como das instâncias acadêmicas”, a avaliação destes ex-dirigentes é que “essas medidas ferem a autonomia universitária e rompem com a tradição desse diálogo. Os efeitos dessas demissões estão se mostrando nocivos, além de desumanos. Trouxeram desesperança e indignação ao corpo docente e de funcionários, com reflexos negativos sobre os estudantes. Sem falar nos prejuízos acadêmicos” (FOLHA, 20/03/2006, p. A2).

Depois das demissões, a PUC-SP determinou a contratação de novos professores em março de 2006. Os concursos seguiam o modelo aplicado no ano anterior aos funcionários, com propostas de salários até 50% menores que os pagos aos professores da casa (PUCVIVA, 2006, nº 566). Os acordos internos, em muito mais garantistas que as convenções coletivas de cada categoria devido a conquistas históricas na universidade, também foram rediscutidos e parcialmente rebaixados.

Nos meses seguintes, o Consun decide que as turmas devem atingir um número mínimo de alunos para serem abertas (PUCVIVA, 2996, nº 592) e a “maximização” dos contratos dos docentes é prorrogada indefinidamente (PUCVIVA, 2007, nº 638).

Em novembro de 2007, a direção da universidade põe fim a uma ocupação estudantil da sala da reitoria que durava seis dias com um pedido de reintegração de posse que trouxe para dentro da universidade tropas da Polícia Militar. Se é verdade que aquela não foi a primeira vez desde 1977 que forças policiais entravam no campus – houve ao menos duas vezes em que alguns agentes entraram para coibir a exibição de um filme nos anos 1980 e para reprimir o uso de drogas n/os anos 1990 –, não se pode olvidar que nenhuma, desde 1977, contaria com tamanho aparato e traria tanto impacto à comunidade.

A ocupação buscava chamar atenção para a falta de discussão dos processos até então em curso para reduzir o déficit da universidade. A ponta de lança para isso girava em torno do redesenho institucional, que os alunos tentavam impedir a aprovação pelo Consun.

Estritamente, as mudanças diretas provocadas pelo redesenho diziam mais respeito ao aumento de cargos da reitoria e o consequente espelhamento disso nos conselhos deliberativos. Diluiu-se as funções dos vice-reitores acadêmico, administrativo e comunitário em cinco pró-reitorias e criou-se a função do vice-reitor, concentrando hierarquicamente as decisões na figura do reitor. Este aumento de cargos fez crescer também a presença da reitoria em todos os conselhos – em especial no Consun, onde a reitoria passaria a ter o mesmo peso de voto dos três setores (ver mais aqui).

Com o redesenho, facilitou-se a aprovação de mudanças no estatuto que criaram, a partir de 2009, o Conselho Superior de Administração (Consad). Neste, que decide somente sobre questões financeiras da universidade, votam apenas os dois secretários-executivos da Fundação São Paulo e o reitor. Estatutariamente, ele é constituído de maneira paralela ao Consun de forma a garantir, na letra da lei, a autonomia acadêmica da universidade e não fazer com que a PUC-SP infrinja a legislação que permite a esta instituição a manutenção no título de filantropia. Na prática, como a maior parte das decisões acadêmicas tem reflexos financeiros, o Consad passa a ser uma instância superior ao mais democrático Consun.

Desta maneira, medidas como o fechamento de turmas, a demissão de professores e funcionários ou o aprofundamento da “maximização” dos contratos dos docentes (como ocorreu em dois momentos nos anos seguintes, até 2010) puderem ser aprovadas sem qualquer discussão acadêmica com a comunidade – sempre em nome da redução do déficit operacional da universidade (e, posteriormente, do pagamento da dívida com os bancos).

Em 2012, boatos faziam ressurgir o velho receio de que o arcebispo de São Paulo – que estava, desde 2007, na figura de dom Odilo Pedro Scherer – poderia não nomear a primeiro colocado na eleição para reitor da universidade. Outros indícios davam conta de que algum dos três candidatos (Dirceu de Mello, Francisco Serralvo ou Anna Cintra) poderia aceitar a nomeação, independentemente da decisão da maioria da comunidade, reforçando a ção da Igreja na universidade.

Diante deste risco, os estudantes organizaram (talvez pela primeira vez na história da PUC-SP) um debate independente entre os candidatos de então. Foram convidados os centros acadêmicos de todos os campi, de forma a expressar os anseios específicos de cada curso diante da gestão seguinte. O objetivo principal desta atividade era fazer crescer a importância do pleito no meio estudantil e, desta forma, diminuir os riscos de um golpe por parte da Igreja – ou aumentar a capacidade de resistência. A atividade adquiriu maior relevância histórica porque os organizadores daquele debate propuseram um documento, assinado por todos os candidatos, com o compromisso de que só aceitariam a nomeação para a reitoria se fossem os primeiros colocados. Com uma inédita demora para anunciar a homologação do próximo reitor, dom Odilo informou em 13 de novembro à comunidade puquiana que Anna Maria Marques Cintra, a última colocada naquele pleito, havia sido nomeada. O anúncio vinha mais de 70 dias depois do fim da apuração do resultado da eleição – que dava a Dirceu de Mello mais quatro anos à frente da PUC-SP – e na antevéspera do recesso mais longo do ano, de seis dias, resultante dos feriados de 15 e 20 de novembro.

A quebra do acordo firmado por parte de Anna Cintra com a comunidade causou, então, revolta e uma greve que paralisou totalmente o campus de Perdizes até o final daquele ano, com atividades de greve e paralisações em ao menos três outros campi – na época, a universidade tinha seis. O documento assinado pela então candidata também serviu como uma das bases argumentativas de processo movido pelo Centro Acadêmico 22 de Agosto, de Direito, contra a nomeação de Anna Cintra.

Tal como ocorrera em 2006, o Consun, no intuito de desfazer uma decisão tomada sem anuência da comunidade, revogou a homologação da lista tríplice, tornando nulos todos os atos posteriores que culminaram na nomeação de Anna Cintra. Mas, tal como ocorrera em 2006, esta decisão não foi respeitada pela Igreja.

Também repetindo um movimento daquela época, em 2012 Anna Cintra argumenta como a reitoria de Maura Véras fez entre 2006 e 2007 para demitir um terço do corpo funcional da universidade: ao tomar uma decisão que desagrada a comunidade, Anna Cintra dizia, assim, que, “se eu não aceitasse, a Fundação São Paulo faria intervenção na universidade” (FOLHA, 01/12/2012, p. C2). Ao final de 2014, Anna Cintra continuava na reitoria sem efetuar qualquer mudança substancial na relação com a Fundação São Paulo, mantendo o padrão que já ocorria desde 2009. O Centro Acadêmico 22 de Agosto perdeu o processo em primeira e segunda instâncias e, sem conseguir retirar a reitora do cargo, desistiu da ação judicial.

Foto de capa: Mobilização estudantil de 2006 contra demissões